Cariús - professora mantém memória viva da cidade

 

Clique para AmpliarCariús. Aos 98 anos, a professora primária, Diva Targino Cavalcante, preserva a memória viva dos principais acontecimentos que marcaram a história desta cidade, na região Centro-Sul. É fonte permanente de pesquisa para os moradores e estudantes, que sempre lhe visitam em uma casa simples, ao lado da Igreja Matriz de Nossa Senhora Auxiliadora. O projeto de construção do Açude Poço dos Paus, que nunca saiu do papel, o trem e as secas são alguns dos temas mais abordados pela docente aposentada.

Diva Targino, que nasceu em Capistrano de Abreu (antigo Riachão), traz lembranças da infância e da adolescência que ficaram indeléveis. Em 1925, ela chegou a Cariús, na companhia do pai, Joaquim Targino, que foi atraído pelas notícias da construção de um grande açude no sertão cearense e instalou uma loja de tecidos. "Tinha um bom comércio e logo o lugar cresceu", contou. "Vieram muitas pessoas atraídas pela promessa de trabalho e foram construídos prédios, casas e aos sábados havia uma feira intensa".

Após a morte do pai, Diva Targino, aos 12 anos, viveu em casa de parentes e de amigos da família, estudou e logo passou a ensinar particular e mais tarde ingressou como professora diplomada, lecionando por décadas. Vários de seus ex-alunos são formados, profissionais liberais e empresários. Um deles, Siqueira Campos, tornou-se governador de Tocantins, e quase todos os anos faz questão de visitar a ex-professora. Na parede da sala, há diversas fotos com ex-alunos que lhe visitam com regularidade.

A professora aposentada é simpática e costuma receber as visitas em uma área alpendrada, onde está instalada a cozinha da casa, na parte detrás. É o espaço mais agradável. O pequeno quintal, com alguns frutos e roseiras, dá à residência um aspecto peculiar das cidades interioranas. O espaço é convidativo para uma boa conversa sobre o passado e a vida de uma educadora dedicada, respeitada e admirada pelos moradores. Diva, ao receber amigos e visitantes, logo se apressa em passar um café novo e servir bolo ou tapioca, que ela ainda prepara com carinho e tem gosto especial da culinária sertaneja. A merenda, como costuma chamar o sertanejo, está posta à mesa à espera de um comensal.

Sentada em uma cadeira de balanço, ela puxa pela memória e aos poucos vai contando a história da formação do centro urbano, os seus principais acontecimentos e detalhe da infância e da adolescência em uma cidade que tinha a expectativa de um futuro de desenvolvimento, mas que ficou esquecida, após o Governo Federal abandonar o projeto de construção do açude que teria a função de combater a seca, reduzir a fome e a mortalidade do sertanejo no início do século passado.

O crescimento do antigo Distrito de Cariús está associado ao projeto do então presidente Epitácio Pessoa em construir o Açude Poço dos Paus. Essa era a antiga denominação do lugar. Para que o açude fosse construído, Diva lembra que foi instalado um ramal da ferrovia que havia chegado à Iguatu e partia em direção ao Sul do Ceará (Cariri). A estrada de ferro, inicialmente, impulsionou o progresso. Facilitou o transporte de material, máquinas, importadas da Inglaterra e dos Estados Unidos, e de operários, que chegaram de várias cidades do Ceará e até de outros Estados. Em 1915, houve intensa estiagem, que resultou na morte de milhares de agricultores. "Meus pais contavam que foram anos difíceis e de muito sofrimento para os flagelados", recorda ela.

O açude não saiu do papel. O governo mudou. Assumiu a presidência Artur Bernardes. "O orçamento ficou superior ao estipulado e em 1923 as obras foram suspensas". Em 1932, Cariús foi sede de um dos campos de concentração que barrou a ida de flagelados, retirantes da seca, para Fortaleza. "Eram tempos de muita fome, de muitas dificuldades. As pessoas queriam partir em busca de trabalho e comida e muitos morreram no caminho", contou.

Crescimento

A cidade cresceu com instalação de usinas de beneficiamento de algodão e foi favorecida pela permanência do ramal ferroviário que continuava transportando carga e pessoas até a cidade de Iguatu. A professora recorda que um hospital, uma fábrica de gelo, uma casa de força e seis caldeiras que forneciam energia até para a cidade de Jucás e uma ponte pênsil sobre o Rio Cariús permaneceram por mais algum tempo. A ferrovia foi desativada em 1976. "Depois tudo mudou. A cidade diminuiu o ritmo de crescimento e parece que parou no tempo".

Fonte: Diário do Nordeste
Honório Barbosa

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